Luís Alberto Alves/Hourpress
Radiografia da Notícia
* Ao lado do campinho de terra, minúsculo, se espremiam até 20 jogadores
* A água era limpa. Por causa do calor, o pessoal chutava naquela direção, para depois se refrescar
* Nos dias de calor, ficava difícil alguém jogar futebol nas suas proximidades por causa do forte odor de esgoto
Luís Alberto Alves/Hourpress
Quase no final da década de 1970,
as manhãs e início das tardes de domingos eram passadas nos famosos campinhos
de terra batida existentes em diversos bairros da periferia deste imenso
Brasil. Ainda adolescente, residi muitos anos na Zona Norte de São Paulo,
região do imenso bairro da Freguesia do Ó, que na década de 1980 acabou citado
numa das músicas de Gilberto Gil quando passava pela Marginal do Tietê e se
deparou com a placa com nome deste bairro.
Ao lado do campinho de terra,
minúsculo, se espremiam até 20 jogadores, com dez de cada lado, no famoso
placar: “vira 12 e acaba 24”. Diversos dribles, chutes, carrinhos e cabeçadas
para enfiar a bola no gol. A maioria dos atletas, entre eles este que vos
escreve, tentava curar a ressaca da noite e madrugada nos bailes que
aconteceram nos quintais ou mesmo salas das casas daquela região ou até mesmo
na Casa Verde, Parque Peruche ou Vila Nova Cachoeirinha.
Época
Na maioria das vezes, a bola caia
no córrego que passava ao lado deste campinho. A água era limpa. Por causa do
calor, o pessoal chutava naquela direção, para depois se refrescar e espantar o
calor e o suor que tomava conta do corpo. Poucas moradias eram construídas nas
margens de córregos naquela época.
Mas o tempo passou. No alto do
morro, próximo do bairro Parada de Taipas, extremo da Zona Norte ou Noroeste,
como dizem alguns, o governo paulista constrói um conjunto habitacional com
vários prédios de 5 andares. Para resolver o problema do esgoto gerado naquele
local, estende as tubulações para o início do córrego do Cabuçu que finaliza o
seu trajeto ao lado da ponte da Freguesia do Ó, começo da Avenida Inajar de Souza.
Domingo
Logo as águas, antes limpas, nas
margens dos diversos campinhos ali existentes, se tornaram sujas e com mau
cheiro de fezes e urina. Nos dias de calor, ficava difícil alguém jogar futebol
nas suas proximidades por causa do forte odor de esgoto. Da década de 1980 em
diante, a maioria dos colegas de adolescência, já rumando para juventude,
abandonou o hábito de jogar pelada nas manhãs de domingo.
Alguns se mudaram para outros
bairros, outros pegaram firme nos estudos, como foi o meu caso, outros
resolveram solidificar de vez a paixão pela “cara metade” conhecida nos bailes,
e futebol de final de semana acabou arquivado. Mas a poluição dos córregos
daquela região aumentou muito. Naquela época ainda não existia a consciência ecológica
como ocorreu atualmente. Ainda faltavam sete anos para o Regime Militar de 1964
chegar ao fim.
Saúde
Hoje, após escrever o livro “Por
que o meio ambiente é tão importante ao trabalhador” compreendo porque muitas
crianças ficavam doentes ao ter contato com a água suja de esgoto daqueles
córregos. Quando começavam a sentir-se mau, os pais as levavam aos hospitais
públicos em Santana ou Lapa ou até mesmo na Santa Casa, no Centro da cidade.
Como num espelho retrovisor, vejo como o descaso dos governantes provocou tanto
estrago na saúde da população.
Atualmente não resido mais na
Zona Norte de São Paulo, onde fiquei 46 anos. Quando às vezes visito a região
da Freguesia do Ó, percebo que alguns córregos, cercados por placas de
concretos, com avenidas ao lado, estão podres. Cheios de lixo, cadeiras velhas,
garrafas plásticas e até colchões. Percebo que passados 45 anos, o meio
ambiente continua sendo desprezado pelo governo, em nível estadual e municipal.
Depois reclamam por que é grande o número de crianças internadas nos hospitais
da região, a maioria com doenças adquiridas por causa da água suja.
#Luís Alberto Alves, jornalista, editor do blogue #RAS (Rede Ambiental Sindical)